André Marques, o próprio.

André Marques, o próprio.
André Marques, o próprio.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O Porto. Tu e Eu. Ponto final



Redefino-me com o surgimento da raridade. Da novidade. Humano que sou, nada a acrescentar. Mas, à parte de tudo isto, jamais conseguiria imaginar a minha vida sem a Laura. Sem ti. Porque ao contrário do que dizem, a rotina não aniquila a novidade. O encanto.

Faço questão de ser frontal, direto, inconstante. Por vezes, inconveniente. E há grandes diferenças entre a frontalidade e a inconveniência. Aceito. No fundo, sou um grande admirador da novidade e não do hábito. O normal.

Laura. Uma cabeça que vale por duas. Mãos de ouro. Com a sabedoria na ponta língua. Mulher do Norte. Mulher desembaraçada. Mulher gentilmente desbocada, e, deliciosamente asneirenta. A Laura foi bastante seletiva quando decidiu escolher-me para seu marido. Há vinte anos. Não sou bonito, confesso, mas tenho um coração. Um ponto a favor, julgo. Ou determinante, espero. Nunca me dececionou, mulher disciplinada. Sexualmente agressiva e dona de si mesma. A minha mulher. Laura.

O nosso T5 Duplex na Av. da Boavista. Realizada a escritura em 2009, mudámo-nos tranquilamente, quando saímos de Rio Tinto. Zona agradável, mas em nada a ver connosco. Agora estamos bem. Além de estarmos juntos, observamos com prontidão a mais longa avenida Portuense. Quando o sol descai sobre nós, caminhamos até ao Castelo do Queijo, junto ao mar. De pés a descoberto. De braço dado. O fim de tarde como testemunha.

Porto. Grandioso e próspero centro urbano. Cidade majestosa, património da humanidade desde 1996. O Estádio do Dragão estende as mãos aos milhares de amantes do futebol que primam pela lascívia de uma cidade que também é mundialmente conhecida pelo vinho.

O centro histórico. Pela vida noturna desfilam, diariamente, centenas de jovens provindos de todo o país, em busca de momentos de diversão que se tornam fugazes.

O nosso corpo tem peso de Norte. E alma de Portugal. Fascinamos os olhos quando estacionamos a vida no Miradouro da Torre da Câmara Municipal do Porto. Beijamos a vista distinta sobre a Avenida dos Aliados. Tu e os teus cabelos pretos, encaracolados, voando ao sabor do vento. E eu e os meus óculos escuros, e a minha camisa azul aos quadrados. Destaque para o Espelho de Água, situado na placa central e com vista para a urbanização existente ao longo da avenida. Visto da lua é lindíssimo. Como quem observa Álvaro Siza Vieira e Souto Moura. Ao longe, perto do coração, na Praça da Liberdade, de enaltecer o Palácio das Cardosas. Da torre ainda é percetível a parte elevada da cidade de Vila Nova de Gaia, do outro lado do Rio Douro. O El Corte Inglés e a Torre do Monte da Virgem.

Quando nos conhecemos, prometi fazer de ti a mulher mais feliz do Norte. A seguir à minha mãe, claro. Para te conquistar, levei-te ao local mais antigo e típico da cidade do Porto. A Praça da Ribeira. A gelatina de morango do Porto. Para comer às colheradas e chorar por mais. A Praça da Ribeira, ou a Praça do Cubo. Contei-te algumas histórias interessantes. Como dois pombinhos que somos. Aquelas histórias que contamos quando estamos apaixonados. Escutaste com atenção, vi pelos teus olhos ternurentos. Momentos que sabem a amor. E a Douro. Foi na ribeirinha que viveu uma das figuras mais carismáticas da cidade, o aclamado Duque da Ribeira, conhecido por ter salvo várias pessoas de morrer afogadas. Hoje sou eu que não te deixo morrer afogada nos braços de um outro qualquer. Amo-te e pronto. Tudo o resto é pequenino, secundário, quase inexistente. Apenas tu, és grandiosa, esplêndida, mesmo no alto da tua magreza extrema. Amo-te acima de todas as doenças.

Deambulamos pelas ruas estreitas e tortuosas, com vista para Gaia. Com vista para os sorrisos das gentes. As arcadas despóticas. As casas típicas com fachadas divertidas de outras gerações, revestidas de cafés e lojas. A tradução de um ambiente único de história, tradição, animação e beleza.

Para descansarmos os pés, caímos redondos no Café do Cais, instalado no centro histórico da cidade, sobre o Cais da Estiva. Bebemos café de mãos entrelaçadas. Sorrimos. Brindamos à simplicidade, com água. Brindamos àquilo que nos carateriza. A ver-se o Rio Douro.

É verão. Sucedemos os chinelos pela Rua Pena Ventosa. Rua gloriosa, original, que oferece à ribeirinha o lado mercantil da cidade. O amor não se explica. Seria absurdo fazê-lo. Quando digo que te amo, fico com a boca seca de tanta verdade. O nós que construimos juntos, como quem constrói uma carreira numa área qualquer, ou uma vivenda com não sei quantos andares. Firme e hirta.

Em 2009, Minhota que és, apresentei-te a Torre dos Clérigos. Mais uma vez. Que é quase sempre como a primeira vez. E há sempre uma primeira vez, como diz Margarida Rebelo Pinto. Torre dos Clérigos. O ex-libris da cidade do Porto. A torre de Nicolau Nasoni. Coitado, não recebeu um tostão pela obra. A torre de seis andares e setenta e cinco metros de altura. Não tão alta quanto o nosso amor, que se vê das nuvens carregadas de algodão doce. Fãs do Barroco que somos, subimos por uma escada em espiral com 240 graus. Peguei-te ao colo algumas vezes. Gozaste comigo. Agarrei-me à onda e também eu me ri. De ti. De mim. De tudo.

Ainda nessa tarde quente de Agosto, fiz questão de te mostrar de braços abertos a mancha verde de jardins do Palácio de Cristal, voltada para o Rio Douro. Divertimo-nos aos gaiatos nos antigos terrenos agrícolas. Nos entretantos, voltámos ao Douro que mais parecia uma enorme tarte de maçã, deliciosa. Parecia e parece. Rodeados de plantas exóticas e árvores de grande porte, roseirais, um lago com patos e cisnes, e animais diversos.

Perdemo-nos no restaurante O Escondidinho. Perdemo-nos na baixa. Perdemo-nos na Rua de Santa Catarina. Adoramos a decoração rústica e os azulejos trajados à mão do séc XVII. A cozinha é um primor, sustentada pela gastronomia tradicional portuguesa. Degustamos com prazer o belo Bacalhau à Escondidinho, ou a Pescada à Escondinho. Quando aparece o natal, avançamos para a Lagosta Tradicional. Mas, às vezes abusas, minha querida Laura. Obrigas-me a ir àquele restaurante estranho. E lá vou eu ao Góshò, que combina cozinha tradicional com cozinha japonesa. Meu amor, adoras beberricar a tua cerveja de pressão japonesa. Sabes bem que reclamo.

Vivemos em uniformidade. O Porto e o Douro criam um retrato absolutamente único. Deixamo-nos absorver pelas paisagens incríveis, pela cultura que tanto enobrece o sentimento patriotista. Não esquecemos que vários pratos da tradicional cozinha portuguesa tiveram origem na cidade do Porto.

Quando comemorámos dez anos de casados, preparei-te uma surpresa. Uma surpresa inigualável em qualquer outra parte do país, ou do mundo. Juntos, viajámos no Barco Rabelo, ao estender da zona ribeirinha. Admirámos as 6 pontes que cruzam o Rio Douro. Vislumbrámos a ligação entre o Porto e Vila Nova de Gaia. Desvendámos a Praça da Ribeira, a Ponte D. Luís, o Mosteiro da Serra do Pilar, a Ponte do Infante, a Ponte D. Maria Pia, a Ponte de São João e a Ponte do Freixo. Ao regressarmos, apreciámos a Ponte da Arrábida, e a linda terra de pescadores, a Afurada. A vida num só momento. Encabeçada por uma só beleza.

Marchamos pelas ruas do Porto. Fazemos compras no comércio local. A cidade onde tudo acontece. A cidade das Ermelindas, das Filipas, das Sandras, das Manuelas, das Sónias, e afins. De Portugal. Deslizamos por um mundo de fantasia tão real quanto a sua existência.

O espetáculo da vida não é eterno. Não sou de acreditar em coisas eternas. Também não sou de aplausos. Como tal, vivo de momentos inesquecíveis. Faço das lágrimas enormes sorrisos. Como manda a lei. Se algum dia, por ventura, perder a Laura, não faz mal, cá estarei para a encontrar novamente.

Sem comentários:

Enviar um comentário