André Marques, o próprio.

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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

União de laços



Moita. Jurisdição pertencente à zona urbana de Lisboa. Situada na margem esquerda do estuário do Tejo, alberga ainda o distrito de Setúbal. Moita. Tradições floridas. Região que oferece bons acessos a todos os confinantes. Como eu acedi gloriosamente. Há 35 anos. Como se fosse hoje, sortuda. Há mais de três majestosas décadas que habito a antiga `Mouta´.

A vida organizou um concurso de decisões. Quem acertasse em todas as respostas, ganhava um novo embalo interior. Participei. Venci sem problemas. E aqui estou, recomeçada. E aqui estou, agradecida por ter contactado o concurso. A vida, por vezes, prenda-nos com este tipo de fogo de artifício. A rápida ascensão. O melhor é apreciá-lo com todos os olhos, pois, há brilharetes que nunca se apagam, e outros, que nunca chegam a acender-se. O mais importante é existir a chama, deixá-la explodir num mar de sensações únicas.

Recordo-me de quando aqui cheguei. Descalcei os pés. Deixei-os caminhar na zona ribeirinha. Simples que sou, pedi-lhes que me levassem à Baixa da Banheira. E depois a Sarilhos Pequenos. Sou bairrista. Afeiçoada ao meu bairro. Gosto das coisas simples da vida; da diafaneidade das pessoas. A transparência que é demasiado caraterística das gentes mais populares. Ainda nessa tarde conheci a paisagem diversa. Bem tratada. O Tejo. Beijei-o da cabeça aos pés. Quase falseei o João. Maldita mulher que não pode ver o mar saltar-lhe para a espinha sem pedir licença. Beijei-o imensas vezes. Ao João, claro. Com a lua a sobrevoar-me o espírito, percorri as zonas verdes. Esparramei-me ao comprido nas salinas, ainda que metaforicamente. Junto à praia fluvial, voltei a descalçar-me, arregacei as calças e deixei-me cair nos braços do meu homem. E amei. Amei sem fim. O areal a perder de vista, como o meu amor pelo João. O presente.

Conta-me histórias do passado. Conta-me através da memória como levava as fragatas carregadas de água para Lisboa. E daí para os navios de grande porte. Ponto de partida; cais da Moita. Quando era catraio, diz-me ele. Ou então nem é verdade, mas não importa. Delicio-me na mesma, como se fosse uma adolescente a descobrir o mundo. E a adorar.

À noite, particularmente, estilo apreciar a íntima luz difusa que cai sobre o adro da capela manuelina. A capelinha encarrapitada sobre o Mar da Palha, lugar que encanta fotógrafos, realizadores de cinema e publicitários. E os Rosarenses.

Uma das coisas que mais aprecio na Moita é a construção metódica de miniaturas de barcos típicos do Tejo nas freguesias do Gaio/Rosário, e de Sarilhos Pequenos. Varinas, Faluas, Fragatas, são incrivelmente refletidas por antigos marítimos, cedo derrubados para a lida aturada nestas embarcações. Eram os chamados “moços”. Promovidos a “camaradas”. E mais tarde a “arraiais”. As três importantes etapas desta calorosa prontidão que se resumia em fazer o arrebatamento de produtos e pessoas entre as margens sul e norte do rio Tejo.

Durante o verão, destilamos na praia do Rosário, repousando nas serenas areias infamadas por conchas das célebres Ostras do Tejo. É importante revelar que a apanha de Ostras constituiu outrora o singular contributo alimentar de inúmeras famílias. O parque de merendas traduzia-se num espaço bastante agradável para petiscos e afins. Em substituição, a Caldeirada à Fragateiro, num dos restaurantes locais.

Amo a minha terra de marítimos e fragateiros. Amo a minha gastronomia unida ao Tejo. Não consigo estar dois dias seguidos sem degustar a Massinha de Caldeirada. Ou o Ensopado de Enguias. Ou o Arroz de Marisco. Ou o Choco Frito. E ainda a Massa de Peixe, ou a Massinha de Sapateira. Sem nunca esquecer os grelhados no carvão. Mas, o mais aprazível é acordar e devorar o meu João. Amá-lo demais. Acordar a pensar nele, com ele. Adormecer a pensar nele, com ele. A lavar os dentes a pensar nele, às vezes sem ele. Fazê-lo feliz. O normal. Há mulheres que não sabem que melhor que o homem, só mesmo o sexo. E adoro compensá-lo com o João.

Em 2010, e nos entretantos de algumas lembranças antigas, facultei-lhe a minha ajuda. A ajuda psicológica. E já é tão pouca. De pé, observei-o. Realizado, conseguiu com a ajuda de muitos, reconstruir um Varino “ Boa Viagem”, no estaleiro naval de Sarilhos Pequenos. Deu gosto vê-lo. E à equipa.

Não quero ficar agarrada às coisas. Quero ficar agarrada aos sonhos. E o meu sonho passa por aqui. Passa por este património embelezado por barcos, onde as cores fortes das tintas elucidam paisagens, idolatram a religião, números, letras e flores. O meu sonho passa por este bem necessário ligado ao rio, às agradáveis zonas verdes, e à fortuna da atividade cultural e recreativa. Onde as pessoas são felizes oferecendo simplicidade à vida.

Acredito que o verdadeiro amor só existe quando a verdade é absoluta, e os sentimentos singulares. O medo, a aventura, o mistério, o desafio, o João. Os meus ingredientes necessários.

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